quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Por que nos despimos?






As certezas também normatizam e padronizam corpos e desejos, cirurgias plásticas têm sido usadas para padronizar, uniformizar rostos, seios, bundas, barrigas de ‘tanquinho’, bíceps, tríceps e etc.; nossas ruas e, principalmente shoppings, tornam-se passarelas de barbie’s e ken’s com corpos seriados. A diferença é posta à margem, rotulada como exótica, quando não bizarra, justamente em um momento histórico em que somos ‘donos’ de nosso corpo, livres para transformá-lo por meio da tatuagem, do piercing, escarificação e também da cirurgia plástica, muitas vezes buscando transformar o corpo numa obra de arte. Porém, ainda é a padronização do corpo que prevalece, atrelada a essa imagética de uma uniformização do desejo, do erótico e do pornográfico. Numa sociedade da imagem, o cinema, a televisão, as revistas ‘ditam’ o que é o certo, e como ‘manuais do desejo’, determinam como as pessoas devem sentir prazer. O espontâneo, a experimentação, a troca, o diálogo, a descoberta de seu próprio corpo e do Outro são ignorados em detrimento de uma encenação, uma performance que busca imitar o midiático.


Aliado a isso, temos ainda a questão do moralismo, pautado na ignorância e na intolerância à diferença, que é cego ao mundo ao seu redor, é surdo às possibilidades de discussão e tem como postura a repercussão de concepções rasas de mundo que não exigem do seu interlocutor uma reflexão sobre o seu próprio viver. De fato, opta por um simulacro, imitando a ‘vida’ encenada na TV, e a partir desta artificialidade pretende ser juiz daqueles que o cercam. Julga e culpa aqueles que optam pela intensidade da vida, não suporta a felicidade alheia, pois, segundo Didier Eribon, “perceber a felicidade alheia obriga o indivíduo a pensar sua (in)felicidade”. Assim, um mundo padronizado, uniformizado, permite ao moralista se sentir ‘confortável’ no compartilhar da mesmice e do tédio dos dias e horas a passar. Ou seja, a intolerância à diferença é uma atitude de quem deseja mascarar, esconder sua infelicidade, seu descontentamento num mundo de ‘iguais’. Assim, toda expressão de autenticidade é combatida, entre elas a concepção individual de sexualidade e erotismo. 

Por isso, de forma a criar possibilidades de reflexão e problematização a respeito da uniformização do corpo e do desejo, foi concebido ‘Escritos da Carne’, projeto que consistiu em fotografar diversos corpos acompanhados de textos eróticos, em que fotógrafos e fotografados pudessem mostrar suas múltiplas compreensões do viver erótico, tanto em sua expressão corporal, quanto na escolha da literatura, música ou outra arte a ser de inscrita no corpo. Expressões artísticas concebidas a partir do desejo de seus autores, oriundas da sua carne e de suas fantasias, e que nesta exposição estão inscritas na carne dos que se despiram para compartilhar a diferença, possibilitando reflexões sobre o erótico e as diversas representações do desejo. Georges Bataille defendeu que “a atividade erótica é, antes de mais nada, uma exuberância da vida, um objeto de uma busca psicológica”, portanto, guarda suas marcas de individualidade como relação do indivíduo consigo e de coletividade no compartilhar de outros devires eróticos. Escritos da Carne, enquanto objeto de reflexão, foi uma experiência artística a partir do individual, compartilhada com o coletivo, e não visa ditar o que é erótico; de fato, é uma expressão da diferença, que pretende sim questionar a normatização dos desejos e dos corpos e as atitudes moralistas sempre onipresentes na sociedade, inclusive na Universidade.


O projeto foi viabilizado através do Edital Elisabete Anderle, da Fundação Catarinense de Cultura e do Conselho Estadual de Cultura, e é fruto de um amadurecimento e reflexões sobre a história do corpo, do erótico, da literatura e imagens eróticas. Em seu processo de pesquisa, constatou-se que para evidenciar a multiplicidade do erótico, os ensaios fotográficos deveriam ter múltiplos olhares, por isso foram realizados por sete fotógrafos: Aline Assumpção, Charles Steuck, Carla Fernanda da Silva, Carlos Lobe, Ivan Schulze, Mariana Florêncio e Sally Satler; resultando numa exposição com 21 fotografias compostas por expressões que perpassam pela heterossexualidade, homossexualidade, gravidez e velhice; pelo solitário e religioso, por magros e gordos; ou seja, diferentes corpos e atitudes que possibilitam ao público uma identificação, e não um modelo, um padrão a ser copiado. Nesse aspecto, vejo que o projeto vem atingindo seu objetivo, que é discutir o corpo, a carne, o erótico e também sua diversidade, não só por quem participou diretamente do projeto, mas pelos que visitaram e compartilharam a exposição.

Esse projeto e suas imagens, portanto, não exibem somente beleza e qualidade estética; acima de tudo, mostram um compartilhar de compreensões do erótico, que não se limita a definições teóricas, porque o erótico faz parte do cotidiano das pessoas e cada um tem algo a dizer sobre a sua experiência pessoal. E corroborando com essa concepção, vale citar os dizeres do produtor cultural Márcio José Cubiak sobre a exposição: “O corpo... tão presente na Blumenau desde teutos e tals, revelado nu, sem ginásticas e violências! Só carne e desejo!”

Escritos da Carne deseja instigar, questionar e provocar. É essa arte que me inspira. 

Foi por isso que nos despimos!




Eu sempre tive medo de pessoas convictas,
de gente que pensa saber o que é melhor
e que não titubeia em defender as suas afirmações.
Certezas não aproximam pessoas.
Certezas não têm ouvidos.
Certezas carimbam ideais.
(Gregory Haertel, escritor)

*Artigo publicado no Jornal Expressão Universitária - SINSEPES/FURB


** Todas as fotografias, bem como os escritos constam no catálogo da exposição, que pode ser acessado no link: http://www.youblisher.com/p/237863-Catalogo-Escritos-da-Carne/