Tanta dor na vida
Da dor se duvida
O sangue a ferida
é que dão ibope
Da dor se duvida
O sangue a ferida
é que dão ibope
(Zeca Baleiro, em Datena
da Raça)

Na
mídia impressa e eletrônica também multiplicam-se as notícias diárias dos
crimes cometidos, muitas vezes acompanhados de fotos e nomes daqueles que foram
detidos, antecipando assim o julgamento público. Julgamento dos infames, jamais
de ricos e poderosos, mas daqueles que em toda a sua vida foram prejulgados por
serem ou pobres, ou pretos, travestis, ‘viados’, sapatões’, ‘polacos’, ‘forasteiros’,
etc. –, a lista dos preconceitos é grande. Para estes, jamais aparecerá o
prefixo ‘suposto’ – ‘Suposto desvio de
verbas públicas’ –, mas a acusação subjetiva nas já conhecidas palavras: o
meliante, o feminino, o masculino, o acusado, o sujeito.

Apesar
de tal teoria ser duramente rejeitada, sobretudo nos tempos atuais, não podemos
deixar de ver na imprensa, e também nos seriados e filmes, que sua ideia é
mantida e disseminada, tanto pela reprodução das poses nas fotos de fichamento
e prisão, criada por Bertillon, quanto pelas pessoas – ou tipos – para usar um
termo de criminólogos do séc. XIX – que são apresentadas em tal registro.
Nota-se que o julgamento pela aparência, rechaçado
cientificamente, ganha sobrevida nas páginas e noticiários policiais, onde a
vida destas pessoas é esquecida, é sobrepujada pelo interesse midiático em
apresentar o crime como uma notícia sensacionalista e não como um problema
social e político que deve ser analisado e solucionado em sua origem - que, na
maioria das vezes, está relacionado à enorme desigualdade econômica e social.
Diárias são as inserções sobre ‘menores’ que cometem crimes, com o claro intuito
de direcionar a opinião pública a favor da redução da maioridade penal. Não é
debatido o direito à moradia descente, à educação plena, à saúde, opções de
lazer, ou seja, oportunidades reais de um viver pleno desta criança e de sua
família. O que vemos, é a defesa de formas de exclusão social e confinamentos
prisionais.
![]() |
François
Bertillon, de 23 meses, registrado como criminoso
em 1893 por seu pai. Seu crime: a gula. |
A
mídia produz e dissemina o medo ao dar uma conotação exagerada para um furto de
uma calça jeans em um shopping ou comida e bebida em um supermercado, criando a
sensação de um mundo inseguro e dominado pela ‘bandidagem’, onde o Outro, ao
seu lado, não é pensado como um ser humano, mas como um criminoso em potencial,
ainda mais se suas roupas e ‘traços’ são comumente relacionados ao crime pelas
páginas e noticiários policiais.
A
exploração do crime para aumentar as vendas e seus espectadores sempre fez
parte do meio jornalístico, mas o que temos visto nos últimos anos foi a
exacerbação desta prática. E o apelo promovido por editores e jornalistas sem
um senso crítico e formação apurada cresce à medida que os jornais impressos e
noticiários televisivos perdem público, venda e espaço diante do crescimento do
acesso à internet. Não sejamos ingênuos em pensar que as páginas eletrônicas
estejam isentas desta prática apelativa, infelizmente muitas tendem a copiar a
grande a mídia: acham que estão transgredindo um formato tradicional da
imprensa, mas ao expor as pessoas e a crueza do crime, apenas expõem o seu
conservadorismo tacanho e excludente.
Existe uma relação desigual entre os empresários
da mídia – que lucram com a notícia – e os jornalistas – assalariados – em
geral, o poder financeiro dos primeiros tende a conduzir a notícia e as
palavras dos jornalistas conforme o capital determina. A mídia está tão
encantada em se admirar como quarto poder que está cega para a realidade, cega
para a miséria perpetrada por grandes empresas e governos, isso quando não
estão cinicamente compactuando com seus patrocinadores. A internet expôs a
manipulação dos fatos e opiniões quando muitos resolveram registrar e divulgar
os fatos sem o filtro das grandes corporações midiáticas e muitas vezes sem o
jornalista de formação. O espelho do quarto poder quebrou, e mesmo assim
resiste à mudança. Mas isto não impede os jornalistas de fazerem uma
autorreflexão profissional para escolher qual papel quer assumir na sociedade.
Artigo publicado no Portal Blumenews, de Blumenau.
Artigo publicado no Portal Blumenews, de Blumenau.
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