quinta-feira, 25 de julho de 2013

A Imprensa e o Crime: requintes da produção do medo



Tanta dor na vida
Da dor se duvida
O sangue a ferida
é que dão ibope
(Zeca Baleiro, em Datena da Raça)
  


A imprensa invade diariamente nossas mentes com apavorantes notícias de crimes. Alguns noticiários expõem o crime e criminosos destacando a crueza, sangue e violência. Outros dão ares de reportagem investigativa apresentando reconstituições virtuais e entrevistas com especialistas, que em geral não tiveram acesso às provas e investigações policiais, opinando a partir das conclusões superficiais produzidas pela própria mídia. Pessoas são antecipadamente condenadas pelo público autômato que irá esbravejar contra o Judiciário, caso o réu seja absolvido por falta de provas, mas em momento algum irá questionar a falácia midiática.


Na mídia impressa e eletrônica também multiplicam-se as notícias diárias dos crimes cometidos, muitas vezes acompanhados de fotos e nomes daqueles que foram detidos, antecipando assim o julgamento público. Julgamento dos infames, jamais de ricos e poderosos, mas daqueles que em toda a sua vida foram prejulgados por serem ou pobres, ou pretos, travestis, ‘viados’, sapatões’, ‘polacos’, ‘forasteiros’, etc. –, a lista dos preconceitos é grande. Para estes, jamais aparecerá o prefixo ‘suposto’ – ‘Suposto desvio de verbas públicas’ –, mas a acusação subjetiva nas já conhecidas palavras: o meliante, o feminino, o masculino, o acusado, o sujeito.

Esse processo de culpabilização de pobres e indesejáveis vem de longa data, mas ganhou conotações científicas no século XIX, com a invenção da criminologia, sobretudo a partir dos estudos de Cesare Lombroso e Alfhonse Bertillon, e outros que derivaram destes, que procuravam determinar os possíveis criminosos a partir do estudo de suas feições e ‘raças’, indicando àqueles que seriam mais propensos ao crime pelo tamanho de sua orelha, proximidade dos olhos ou tamanho do nariz, entre outras características. Bertillon criou o sistema de antropometria, em que por meio das medidas do corpo e com o auxílio fotografia como documentação, fez uma classificação que relacionava crimes e tipos físicos.

Apesar de tal teoria ser duramente rejeitada, sobretudo nos tempos atuais, não podemos deixar de ver na imprensa, e também nos seriados e filmes, que sua ideia é mantida e disseminada, tanto pela reprodução das poses nas fotos de fichamento e prisão, criada por Bertillon, quanto pelas pessoas – ou tipos – para usar um termo de criminólogos do séc. XIX – que são apresentadas em tal registro.

Nota-se que o julgamento pela aparência, rechaçado cientificamente, ganha sobrevida nas páginas e noticiários policiais, onde a vida destas pessoas é esquecida, é sobrepujada pelo interesse midiático em apresentar o crime como uma notícia sensacionalista e não como um problema social e político que deve ser analisado e solucionado em sua origem - que, na maioria das vezes, está relacionado à enorme desigualdade econômica e social. Diárias são as inserções sobre ‘menores’ que cometem crimes, com o claro intuito de direcionar a opinião pública a favor da redução da maioridade penal. Não é debatido o direito à moradia descente, à educação plena, à saúde, opções de lazer, ou seja, oportunidades reais de um viver pleno desta criança e de sua família. O que vemos, é a defesa de formas de exclusão social e confinamentos prisionais. 


François Bertillon, de 23 meses, registrado como criminoso 
em 1893 por seu pai. Seu crime: a gula.

A mídia produz e dissemina o medo ao dar uma conotação exagerada para um furto de uma calça jeans em um shopping ou comida e bebida em um supermercado, criando a sensação de um mundo inseguro e dominado pela ‘bandidagem’, onde o Outro, ao seu lado, não é pensado como um ser humano, mas como um criminoso em potencial, ainda mais se suas roupas e ‘traços’ são comumente relacionados ao crime pelas páginas e noticiários policiais.

A exploração do crime para aumentar as vendas e seus espectadores sempre fez parte do meio jornalístico, mas o que temos visto nos últimos anos foi a exacerbação desta prática. E o apelo promovido por editores e jornalistas sem um senso crítico e formação apurada cresce à medida que os jornais impressos e noticiários televisivos perdem público, venda e espaço diante do crescimento do acesso à internet. Não sejamos ingênuos em pensar que as páginas eletrônicas estejam isentas desta prática apelativa, infelizmente muitas tendem a copiar a grande a mídia: acham que estão transgredindo um formato tradicional da imprensa, mas ao expor as pessoas e a crueza do crime, apenas expõem o seu conservadorismo tacanho e excludente.

Existe uma relação desigual entre os empresários da mídia – que lucram com a notícia – e os jornalistas – assalariados – em geral, o poder financeiro dos primeiros tende a conduzir a notícia e as palavras dos jornalistas conforme o capital determina. A mídia está tão encantada em se admirar como quarto poder que está cega para a realidade, cega para a miséria perpetrada por grandes empresas e governos, isso quando não estão cinicamente compactuando com seus patrocinadores. A internet expôs a manipulação dos fatos e opiniões quando muitos resolveram registrar e divulgar os fatos sem o filtro das grandes corporações midiáticas e muitas vezes sem o jornalista de formação. O espelho do quarto poder quebrou, e mesmo assim resiste à mudança. Mas isto não impede os jornalistas de fazerem uma autorreflexão profissional para escolher qual papel quer assumir na sociedade.



Artigo publicado no Portal Blumenews, de Blumenau.