segunda-feira, 20 de junho de 2011

Outras Vozes: A pesquisa como instrumento de visibilidade da história da homoafetividade em Blumenau


Por Carla Fernanda da Silva, professora de História da FURB (carlafs@furb.br) ,
Celso Kraemer, professor de Filosofia da FURB (celsok@furb.br) e
Fabiele Lessa, bolsista de pesquisa (fabiele.beli@gmail.com)



Acompanhamos nos últimos dias, pela imprensa, diversos casos de agressão a nordestinos e, mais recentemente, a homossexuais. O que se destaca nestes casos é a intolerância, demonstrada por meio da violência verbal e física, que além de demonstrarem uma situação limite no convívio social, expõem uma sociedade intolerante, incapaz de lidar com a diferença.

Ao analisarmos as relações entre gêneros ao longo da história, percebemos a predominância de uma heteronormatividade, com destaque ao masculino. As mulheres foram mantidas no mundo privado, distantes da esfera pública, fato que contribuiu para uma ‘naturalização’ do feminino relacionado quase que exclusivamente ao lar, aos filhos, ao marido, etc. A narrativa histórica local sobre a mulher seguiu o modelo ideal: mulher cristã, reprodutora e frágil. 

Em Santa Catarina, após estudos sobre gênero despontados por Joana Maria Pedro, Cristina Scheibe Wolff, Marlene de Fáveri, Tânia Regina Oliveira Ramos, entre outros, realizados também na região de Blumenau, o relativo silenciamento da narrativa histórica local sobre a mulher tem tomado novos rumos, aos poucos dando visibilidade às mulheres como agentes da história. 

No entanto, apesar do esforço, ainda se verifica mais escritos e publicações sobre os imigrantes homens que “desbravaram” a cidade, do que sobre mulheres que aqui chegaram. Poucas fotos de mulheres foram publicadas em livros comemorativos (Livro do Centenário, ACIB, entre outros) e em periódicos importantes da cidade, como a Blumenau em Cadernos, conduzindo o olhar somente aos monumentos erigidos na cidade, hegemonicamente masculinos. Estas imagens, propagadas em torno de uma identidade única para a cidade, desmerecem sua diversidade, produzindo um silenciamento e esquecimento sobre a atuação histórica das mulheres. Se estas imagens silenciam a atuação das mulheres, aqui pensadas a partir de uma lógica da heteronormatividade, outras expressões de gênero, como a homossexualidade, a transexualidade, os travestis e a bissexualidade são sequer citados, ou cogitados como partícipes da história. 

A vivência da homossexualidade ainda é percebida como transgressão da norma, ou como patologia em função de uma postura tradicional das práticas sexuais, especialmente no Vale do Itajaí, que se mostra repressora às diversas expressões de gênero. O beijo entre pessoas do mesmo sexo ainda é tabu, causa espanto, quando não, hostilidades. Tal cultura tem no modelo heterossexual seu referencial de sexualidade, imposto como correto, verdadeiro, natural, segundo o ‘plano da criação’. 

Com essa percepção, surgiu o interesse em apresentar ao PIBIC/FURB o projeto de pesquisa “Outras Vozes: Análise das Narrativas de Relações Homoafetivas Femininas em Blumenau”, que tem por objetivo fazer uma cartografia de vivências homossexuais femininas, através da ‘história oral’ e de pesquisa em fontes primárias (diários e escritos íntimos).

Visando ampliar o campo de pesquisa, o projeto foi submetido e também aprovado pelo edital de seleção pública de propostas para pesquisas em temas de Relações de Gênero, Mulheres e Feminismos (Edital MCT/CNPq/SPM-PR/MDA Nº 020/2010).

Problematizar a sexualidade e mostrar como ao longo da história é possível encontrar diferentes modos de constituição da subjetividade permite pôr em questão a concepção moralista, tradicional e hierárquica das relações de gênero. Pesquisar a história a partir das narrativas das mulheres homossexuais nos ajudará a refletir sobre as dificuldades que as mesmas enfrentam quando buscam expressar sua vivência na sociedade.  

A pesquisa também interroga as diferentes formas de mobilização e organização de movimentos sociais em torno da questão da sexualidade, buscando visualizar o modo como estes hierarquizam ou não as relações de gênero. 

Além disso, esse projeto visa, ainda, questionar as diferenças que marcam historicamente as formas de relações estabelecidas entre mulheres heterossexuais e homossexuais na afirmação de sua sexualidade. A pesquisa objetiva, também, analisar o modo como as mulheres homossexuais assumem seus relacionamentos e, a partir daí, se expõem e são percebidas como corpos sexualizados, corpos com desejos, corpos transgressores.

A pesquisa sobre esse tema produz conhecimento histórico e social sobre as questões de gênero, sexualidade e constituições de subjetividade, em nossa sociedade. Isso permite compreender como a sociedade local percebe as modalidades de expressão da sexualidade: práticas lícitas e ilícitas, moral sexual e regime dos prazeres. 

Dar voz e visibilidade às mulheres homossexuais, por meio de suas narrativas de vida, possibilitará uma discussão local sobre a diversidade sexual, tanto no processo de pesquisa, quanto nos debates a serem propostos. 

As narrativas orais e escritas, pensadas como uma possibilidade de expressão do vivido, trazem em sua trama o período histórico vivenciado pelas narradoras, e esboça as transgressões dos limites, demonstra um anseio em repensar o mundo. Ou seja, a partir dessas narrativas, é possível fazer uma leitura da sociedade e pensá-la a partir de uma perspectiva da homossexualidade feminina. 

Pretende-se, ainda, saber de que maneira estas mulheres têm superado o preconceito de si, dos outros, para si e para com os outros, numa cartografia que delineia uma sociedade selada na regulamentação da sexualidade. Enfim, pode-se compreender como as mulheres homossexuais lidam com o preconceito na cidade de Blumenau, e como ocorrem essas relações de gênero. 

Refletir a partir da memória é refletir a partir do vivido, o que possibilita pensar as relações de poder, os modos de sujeição dos indivíduos, os efeitos de verdade-subjetividade e perceber os movimentos de resistência que representam uma ruptura com a norma estabelecida. Problematizar essa normatividade em relação às diversas expressões de gênero se faz essencial como forma de refletir sobre as diferenças. 

As entrevistas e suas transcrições serão incorporadas ao CEMOP (Centro de Memória Oral e Pesquisa) da FURB e, quando autorizadas, permitirá o acesso de outros pesquisadores aos arquivos. Pretende-se realizar, ainda, uma apresentação da pesquisa e seus resultados na Universidade em parceria com o grupo ‘LGBT Liberdade’ de Blumenau.


Publicado no Jornal Expressão Universitária:








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